ALERJ exige novo censo da população em situação de rua no Rio: 45 mil pessoas sem moradia e recursos insuficientes

Juliana Pires 0

Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o silêncio sobre quem vive nas ruas finalmente foi quebrado. Com cerca de Rio de Janeiro abrigando 45 mil pessoas sem teto — o segundo maior número do país —, parlamentares da Frente Parlamentar em Defesa da População em Situação de Rua da ALERJ pressionam por um novo censo urgente. O último levantamento oficial, feito em 2021 e divulgado em 2022, já está desatualizado. E o que se vê hoje é uma crise que só piora: entre 2023 e 2024, o número de pessoas vivendo nas ruas no estado saltou de 27 mil para Rio de Janeiro 30.801, segundo dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua/POLOS-UFMG). A realidade é cruel: muitos estão lá não por escolha, mas porque não conseguem pagar nem o aluguel mais barato.

A crise que ninguém quer ver

Se o Brasil inteiro registrou um aumento de 25% na população em situação de rua entre dezembro de 2023 e dezembro de 2024 — passando de 261 mil para quase 328 mil pessoas —, o Rio de Janeiro não está escapando. A defensora pública Cristiane Xavier, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, foi clara: "A gente não está lidando com um problema de mendicância. Estamos lidando com um fracasso sistêmico de políticas públicas". Ela apontou três causas principais: desemprego em alta, ruptura de laços familiares e, principalmente, a escalada dos preços de aluguel. Em bairros como Oswaldo Cruz, Méier e Jacarepaguá, famílias que viviam em barracos de favela estão sendo expulsas até de lá. "Se você não tem renda fixa, não tem como competir com os especuladores", diz ela.

Recursos invertidos: R$ 400 milhões para terapia, R$ 3 milhões para moradia

Aqui está o que mais choca: enquanto o governo federal destinou R$ 400 milhões para comunidades terapêuticas em 2024, o orçamento total para moradia da população em situação de rua no país foi de apenas R$ 3,1 milhões. No estado do Rio, o Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social (FEHIS) tem R$ 370 milhões — sim, trezentos e setenta milhões. Parece muito, até você descobrir que isso representa apenas 0,3% da receita líquida do estado. Para efeito de comparação, o orçamento da Secretaria de Cultura do Rio é mais de dez vezes maior. "É um sinal claro de prioridades distorcidas", afirma Cristiane Xavier. "Enquanto investimos em tratamento pós-crise, ignoramos a prevenção. Moradia é direito, não privilégio."

Por que o censo de 2021 já não serve mais

Por que o censo de 2021 já não serve mais

O último censo oficial da população em situação de rua no Rio foi feito em 2021. O próximo está marcado para 2025 — quatro anos depois. Mas os números já estão desatualizados. O OBPopRua/POLOS-UFMG, coordenado pelo professor André Luiz Freitas Dias, usou o CadÚnico como base e constatou que, só no último ano, o número de pessoas registradas como em situação de rua cresceu 25% no país. No Rio, o aumento foi ainda mais acentuado. "O CadÚnico melhorou muito a visibilidade, mas não resolve o problema. Apenas o mostra", explica Dias. "Sem moradia digna, sem trabalho formal, sem educação, a pessoa não sai da rua. E o sistema não está preparado para isso."

A escassez de abrigos: três vezes mais gente do que vagas

Na prática, o que acontece é que os abrigos do Rio estão superlotados. A Prefeitura do Rio ainda se baseia nos dados de 2021, que apontavam cerca de 10 mil vagas disponíveis. Hoje, há mais de 30 mil pessoas nas ruas. Isso significa que, em média, apenas uma em cada três pessoas em situação de rua consegue acesso a um abrigo. Os outros 66% dormem em viadutos, praças, portas de igrejas. "A gente vê mães com bebês, idosos com câncer, jovens com transtornos mentais sem tratamento. Isso não é falha de caráter. É falha de Estado", diz um assistente social que trabalha na região do Centro, que pediu para não ser identificado.

O que vem a seguir? O compromisso da ALERJ

O que vem a seguir? O compromisso da ALERJ

Os deputados da Frente Parlamentar prometeram acelerar a tramitação de projetos de lei que garantam um novo censo até o fim do ano. Um deles propõe a criação de um sistema digital integrado com o CadÚnico e a Secretaria de Saúde para mapear, em tempo real, quem está nas ruas e quais serviços precisa. Outro projeto exige que pelo menos 2% do orçamento do FEHIS seja destinado exclusivamente a programas de habitação para essa população. "Não podemos mais fingir que isso não existe", disse o deputado Marcelo Freixo durante a reunião. "O Rio é uma cidade que se vende como turística, mas esconde 30 mil pessoas que não têm onde dormir. Isso é vergonhoso."

Os especialistas alertam: sem um novo censo preciso, sem investimento estrutural em moradia e sem políticas de inclusão produtiva, o número só vai crescer. E a próxima crise não será apenas de teto — será de saúde pública, de violência e de desespero.

Frequently Asked Questions

Por que o Rio de Janeiro tem tantas pessoas em situação de rua?

O Rio tem o segundo maior contingente de pessoas em situação de rua no Brasil, com cerca de 30.801 pessoas em dezembro de 2024. As principais causas são o déficit habitacional crônico, o aumento exponencial dos aluguéis e o desemprego, especialmente entre jovens e pessoas com histórico de vulnerabilidade social. Muitos foram expulsos até de favelas, onde antes viviam em condições precárias, mas pelo menos tinham um teto.

Qual é a diferença entre o número de 45 mil e os 30.801 registrados?

Os 45 mil são uma estimativa feita pela Defensoria Pública com base em projeções regionais e dados de entidades locais, enquanto os 30.801 são o número oficial do OBPopRua/POLOS-UFMG, baseado no CadÚnico. A diferença pode refletir pessoas não registradas, migrantes ou aquelas que evitam o sistema por medo ou desconfiança. Mas ambos os números apontam para uma crise crescente.

Por que o FEHIS tem apenas R$ 370 milhões se o estado arrecada bilhões?

O FEHIS tem R$ 370 milhões, mas isso representa apenas 0,3% da receita líquida do estado. Enquanto isso, o orçamento para segurança pública é mais de 30 vezes maior. A priorização de gastos — como saúde, educação e segurança — deixa a habitação em situação de rua como última opção, mesmo sendo um direito constitucional. A falta de pressão popular e de transparência no uso dos recursos agrava o problema.

O que o novo censo pode mudar na prática?

Um novo censo preciso permitirá mapear onde estão as pessoas, quais são suas necessidades específicas (saúde, trabalho, assistência social) e direcionar recursos de forma eficiente. Sem dados confiáveis, os programas são genéricos e ineficazes. O censo também pressiona o governo a assumir responsabilidade e abrir espaço para a sociedade civil participar das soluções.

Como a população pode ajudar?

Além de apoiar ONGs e campanhas de conscientização, cidadãos podem pressionar seus deputados estaduais para aprovar o novo censo e aumentar o orçamento da habitação. Denunciar casos de violação de direitos, participar de audiências públicas e exigir transparência nos gastos públicos são ações concretas. A mudança só vem quando a sociedade deixa de ser espectadora e se torna protagonista.